Por José Sarney
Nessa imensa tragédia da pandemia de Covid-19 — que atinge números difíceis de imaginar, crescendo agora a 50 mil casos por dia e já sendo mais de um milhão e meio, com mais de 60 mil mortes — ficamos em casa, no necessário isolamento para que a calamidade seja menor e perdemos o convívio diário com a família e os amigos. Mas no mês passado o que faltou também foi a alegria de tambores, matracas, a alegria da festa que toma conta da cidade.
As festas juninas devem ser uma adaptação das comemorações do solstício de verão na Europa, celebrado com fogueiras e dança. Ainda hoje há festas em toda a Europa. De lá, de Portugal, vieram para o Brasil, já cristianizadas, centradas na trilogia Santo Antônio, São João e São Pedro, e adotando a maneira portuguesa de reunir em torno de mastros e usar os trajes tradicionais.
Nos Açores, de onde vieram alguns dos primeiros colonizadores do Maranhão, as festas juninas incluem o boi – boi de verdade, solto nas ruas. Daí a presença, que já se estendeu por quase todo o Brasil, das diversas formas de dança com o boi, mas que só sobrevive com força entre nós, no bumba-meu-boi, e em Santa Catarina – também colonizada por açorianos –, no boi de mamão.
Os bois de matraca se reuniam todos os anos no João Paulo, porque a polícia os proibia de chegar ao Centro. Os bois eram tidos como brincadeira de caboclo e a cidade, preconceituosa, não os deixava descer. Em 66, governador do Estado que adorava os Bois e os acompanhara na mocidade, mandei que brincassem na cidade inteira. Para começar, trouxe o primeiro para dançar no Palácio do Leões.
Roseana herdou esse gosto pelo Bumba-Meu-Boi e pelos folguedos populares. Ela tem a consciência da importância da cultura popular. Com o seu incentivo, as festas se enriqueceram, mantendo sempre seu espírito espontâneo, sua tradição de não se comercializar.
Aqui prevaleceu o boi autêntico, com seus sotaques, boi de matraca, boi de zambumba, boi de orquestra, boi da baixada, e seus personagens, o dono da fazenda, o Pai Francisco, a Mãe Catirina, as índias, os vaqueiros, os caboclos de fita e de pena, o cazumbá. O miolo dança com o boi, os mutucas distribuem cachaça. Mantivemos também as variantes das fantasias, aqui as fitas, ali as penas, sempre o brilho das contas. Os couros dos bois falam por si mesmos, na extraordinária inventividade dos desenhos e das cores.
Felizmente a cultura do Bumba-Meu-Boi, revigorada por Roseana, é hoje parte essencial de nossa personalidade, e somos capazes de fazer como ela, no pequeno filme em que canta para minha bisneta Luísa: “Eu te levo, morena / pra onde meu boi te levar.” E com as toadas do Boi ganhar forças para enfrentar a pandemia.