Por Renato Dionísio*
Já a muito, causa em mim desconforto, os pronunciamentos políticos de determinados candidatos a cargo eletivo no Brasil, sem maiores cerimônias ou temores, tentam satanizar, por exemplo, quem consegue amealhar alguns bens em sua vida laboral, independentemente de analisar os meios ou recursos utilizados para alcançar tais resultados. Num país de muitos pobres e de raras oportunidades, ser “rico” parece ser coisa de ladrões ou espertalhões, nunca do esforço diuturno e contínuo para produzir aliado a descomunal esforço para poupar. Neste caso, é fundamental separar o joio do trigo. Para que não se cometa, nem se induza os iguais, a julgamento duvidoso.
Este fenômeno fica exacerbado, sobretudo, após o restabelecimento do pluripartidarismo entre nós, que ensejou liberdade para os setores populares, se organizarem em partidos, posto que, até aquele momento, estavam encrustados na frente política que era o velho PMDB. Nesta rearrumação, os setores populares, sobejamente em desvantagem, passaram a utilizar largamente este argumento, criando a falsa dicotomia entre os ricos e os pobres, quando, sem temor, o que de fato interessa é o que pensa cada um acerca da sociedade e de sua organização. Como e por quem é produzida a riqueza e a forma de sua distribuição.
Neste mesmo sentido, me causa espécie, reduzir o debate eleitoral ao fato do candidato ter nascido na elite, ou nas camadas populares, tentar conquistar o voto do eleitor apenas porque vendeu picolé ou andou de ônibus, cheira a vigarice e enganação. Da mesma forma, ter estudado em escola pública, não pode ser cartão de apresentação de idoneidade e inteligência, no passado recente, eram majoritariamente os filhos da burguesia que ocupavam o Liceu Maranhense e o Dom Pedro II no Rio. Fato ainda presente nas Universidades Federais, quando o assunto é a ocupação de vagas nos cursos de “maior” relevância, majoritariamente ocupados pelos filhos da elite.
Do mesmo modo, apresentar declaração de bens negativa, junto a nossa corte eleitoral, em muitos casos, para buscar vantagem contra os que verdadeiramente apresentam seus bens, cheira, de longe, a cabotinice. Que mal pode haver, numa sociedade capitalista de plenas liberdades para a competição e o lucro se determinado sujeito foi capaz de juntar mais que outro? Por que imputá-lo defeito ou crime se tudo foi construído acobertado e nos estreitos ditames da lei.
Confesso, não me queira mal por pensar assim, que as firulas praticadas com o auxílio da língua pátria para convencer o eleitor não me incomodam, claro que não falo das mentiras contra os adversários, hoje conhecidas como Fake News e postadas quase sempre por mãos mecânicas, fato já tipificado como crime e passível de punição legal. Bem como, da mesma forma, merecem repulsa as propostas claramente inexequíveis cujo objetivo e engabelar os incautos.
É bom lembrar, nem sempre os filhos das classes dirigentes ou da elite financeira serão vencedores, fosse assim, como justificar um João Claudino, um Wilson Mateus, ou até mesmo, um Vieira Brasil, para ficar apenas nestes, filhos diletos do proletariado que chegaram aos pícaros da gloria econômica. O que dizer de Weverton Rocha, que inverteu a lógica de que era necessário primeiro ser governador para chagar ao senado, e vem o pequeno e se torna o mais votado de nossa história.
Dos citados, quem teve a chance de estudar, não teve direito de escolher entre o público e o privado e quando ganhou seu primeiro cruzado tratou de cuidar da equação entre o que gastar e o que poupar. Assim, ter origem na classe trabalhadora: ter entrado no mercado de trabalho mais cedo; ter estudado em escola pública, não pode ser visto como currículo para exercer cargo algum. Numa sociedade sem castas, mesmo considerando a impossibilidade da justiça na competição pela sobrevivência, o sol deve beijar a todos. Os ricos ficam pobres e os “incultos” podem ascender, é tudo uma questão de força e determinação.
Dói imensamente o fato de sermos entre as capitais a mais pobre. Entristece o fato de que temos as mais repugnantes taxas de desigualdade social país afora. Temos decepcionantes indicadores na educação em todos os níveis. Deficiências gritantes em mobilidade urbana, saúde e ocupação profissional. Somos um contingente populacional de 1,1 milhões de pessoas, desejosas de que este quadro mude e mude para melhor.
Sei, por fim, que não serão os Anjos, nem os Santos, menos ainda os Querubins, que resolverão nossos problemas, como também, estou convicto, que não virá de Anás, Caifás ou Satanás, o aprofundamento destes. A superação, ou não, destas diferenças e desigualdades, serão resolvidas por humanos como nós, que mesmo feitos de certezas e dúvidas, tenham uma forte vontade de encontrar as soluções. Para ter este poder, o escolhido, precisa ser ungido com o voto de mais da metade dos eleitores. No voto, o acerto ou erro está proporcionalmente ligado a decisão que tomarmos. Para agir de forma correta, precisamos ser senhores de premissas verdadeiras, sem sofismas ou enganação.
*Poeta, Compositor e Produtor Cultural.