De início, lembro a batalha de Verdun, em 1916, entre alemães e franceses. Foi estratégica para a França e tida como uma das mais longas da Primeira Guerra Mundial e a mais massacrante para os franceses. Em 2014, o filme – No limite do amanhã – fez uma releitura da Batalha de Verdun. A ficção apresenta a humanidade ameaçada por alienígenas que invadem o tempo e conseguem fazer com que o mesmo dia se repita por infinitas vezes.
Para pensar o agora, duas ilustrações: a realidade e a ficção. A raça humana, de novo, está em perigo. Estamos numa batalha contra um insidioso inimigo sem forma corpórea, mas de propagação rápida, com agentes infecciosos diminutos, desprovidos de metabolismo independente. Só se replicam em hospedeiro, células vivas e provocam consequências e efeitos danosos. Parece que vivemos, repetidamente, o mesmo dia de quarentena. Entramos na ficção. E, neste cenário, quais são nossos pilares de enfrentamento? Onde as energias, investimentos e esperanças devem estar ancorados?Destaco dois fundamentos: educação e ciência. O sucesso material e social tem sua principal causa no investimento contínuo nessas áreas. China, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan são alguns exemplos que aparecem nas listas de países que superaram desafios internos e que, no caso da China e da Coreia do Sul, sofreram perdas imensas durante a Segunda Guerra.
Todos esses – sem qualquer juízo político – foram transformados de seus escombros e hoje têm a prosperidade como resultado do investimento maciço em educação. A China, que há vinte anos não tinha nenhuma universidade de destaque, hoje tem doze entre as cem melhores do mundo. Esses países estão muito bem colocados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Esta instituição avalia anualmente o desempenho dos alunos do Ensino Médio em Leitura, Matemática e Ciências.
Desses fatos, três lições importantes: a primeira é que, em tempo relativamente curto, pode-se fazer uma revolução do bem com a educação; a segunda: em qualquer país, educação deve ser uma diretriz de Estado, independente do dirigente de plantão e a terceira: há consistência e persistência na tomada da mesma direção.
Dessas lições, aprende-se que se colhe um círculo virtuoso com efeitos na qualidade de vida e no desenvolvimento do país que retroalimenta a educação. A exemplo, o centro de pesquisa montado, em Israel, na cidade de Beersheva, na entrada do deserto do Neguebe. Um Investimento de vinte bilhões de dólares com recursos de grandes empresas, resultando um país com fortíssimo sistema educacional e, em consequência, cérebros de ponta.
Formada uma geração de cientistas, os países têm regras claras e política de investimento em ciência, com prioridades, cobrança de resultados e recursos desburocratizados. Evita-se a fuga de cérebros, fato comum em nosso país. Aconteceu na Alemanha pós-guerra e na URSS, em 1991. Com o fim da Alemanha de Hitler, Estados Unidos e URSS brigaram de todas as formas para obter o máximo de cientistas, embora os objetivos não fossem de todo nobres.
Mas, as constantes crises econômicas do Brasil atingem, em cheio, pesquisas e programas de desenvolvimento na educação, com incerteza e baixo investimento. O Brasil, a cada mandato, tem um novo programa educacional. Outro agravante: formado um cientista, perdemo-lo para países que lhe darão melhores condições. A exemplo da neurocientista da UFRJ, Suzana Herculano-Houzel, cujas pesquisas ajudaram a determinar, com precisão, a quantidade de neurônios que temos no cérebro. Hoje ela está na Universidade Vanderbilt, de Nashville, no Tennessee.
Nenhum país – seja em tempos de paz ou de pandemia – pode prescindir de investimento em educação e em ciência, para reconstruir seus escombros mais rapidamente e voltar à relativa normalidade. Com fé em Deus e confiança nos educadores e cientistas, que termine a espera de sair do círculo vicioso das escolhas de pilastras equivocadas, para o círculo virtuoso da ciência e da educação como pilares do enfrentamento destes tempos difíceis.
Por fim, cientistas e educadores terão o conhecimento como arma para derrotar este vírus e resguardar a todos antes que outros venham. Lembrando: nesta guerra, a Covid-19 não é um alienígena. O que se vive agora não é filme. É história que depois pode até inspirar outra ficção.
Fiquem em casa.
Natalino Salgado Filho*
*Médico, doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA