*Publicada originalmente na edição 414 de Globo Rural (abril/2020)
É impossível não ser fisgado pela arquitetura do Museu Guggenheim de Nova York ao caminhar pela Quinta Avenida, ao lado do Central Park. O prédio em caracol, projetado na década de 1950 pelo renomado arquiteto Frank Lloyd Wright, até hoje é um toque de modernidade entre os edifícios residenciais da alta sociedade de Manhattan.
Desde fevereiro deste ano, um detalhe chama ainda mais a atenção de quem passa: há um trator estacionado diante do museu, e ao lado dele uma estufa com tomates cultivados à luz de LED. É isso mesmo: o campo invadiu o coração da Big Apple e entrou pela porta da frente do Guggenheim.
Famoso pelas exposições de arte contemporânea, o museu exibe uma exposição sobre a zona rural pela primeira vez em sua história. A mostra, chamada Countryside, the future (Zona Rural, o futuro), apresenta – por meio de fotografias, instalações artísticas, painéis eletrônicos com projeções de imagens, equipamentos agrícolas e esculturas robóticas – os desafios de quem vive no campo e produz soluções inovadoras.
O Brasil não está representado na exposição. Os exemplos vêm dos Estados Unidos, Itália, Holanda, Rússia, China e Quênia, entre outros países.
Um dos curadores da mostra, o arquiteto Rem Koolhaas, que visitou os países participantes, observa que o campo mudou drasticamente na década passada, a despeito de nossa energia e inteligência ter se concentrado nesse período nas áreas urbanas.
As mudanças ocorreram sob influência do aquecimento global, da economia de mercado e da iniciativa de empresas de tecnologia do mundo todo, além de políticas agrícolas chinesas, entre outros fatores. “Esta história em grande parte não é contada. Por isso é tão importante apresentá-la em um grande museu de uma das cidades mais densas do mundo”, afirma Koolhaas.
Para o Guggenheim, a mostra reafirma a disposição da instituição de assumir riscos, abordando preocupações globais urgentes. A exposição foi planejada como uma resposta a um relatório da ONU publicado em 2014, quando se constatou que metade da humanidade já vivia em cidades.
O documento, chamado “World urbanization prospects”, apontava o “gerenciamento de áreas urbanas”, com foco na sustentabilidade, como um dos mais importantes desafios do século XXI. A outra metade da população, a que vive em condições rurais e também desenvolve soluções inovadoras, não foi considerada no relatório.
A exposição é assumidamente uma tentativa de retificação ao documento da ONU, mas não trata exclusivamente da produção agrícola. Além de exemplos de alta tecnologia empregados nos cultivos, destaca empreendimentos como a construção de vilarejos em áreas produtivas e a destinação de áreas para preservação dentro das propriedades rurais.
Paisagem
Para os organizadores de Countryside, the future, a crescente urbanização não é um processo inevitável. Por isso, a mostra aponta as mudanças – até radicais – ocorridas em territórios rurais “remotos e selvagens”. Eles lembram que o “campo” ainda representa 98% da superfície do planeta.
A exposição contempla alguns dos desafios da população que vive no campo, abordando questões sobre o desenvolvimento e o papel das zonas rurais ao longo do tempo. Como pano de fundo, a indagação sobre o que precisa ser feito para se preparar para o futuro.
Os seis níveis do prédio do Guggenheim, acessíveis por uma rampa em espiral, trazem exemplos que mostram como a paisagem rural foi transformada nas últimas décadas para atender às demandas das populações que vivem em cidades. Na exposição, que vai até agosto, os visitantes acompanham uma linha do tempo sobre a vida e a produção rural do século XX até a condição atual, complementada com uma projeção do futuro.
A conclusão que se extrai desse passeio no tempo é que a forma atual de vida urbana exigiu a organização, abstração e automação do campo em uma escala sem precedentes. Assim, armazenamento de dados, engenharia genética, inteligência artificial, automação robótica, inovação econômica e consciência ambiental já fazem parte do cotidiano rural.
Segundo os organizadores, a contraposição de ideias novas e antigas permite aos visitantes redescobrir a dinâmica da vida rural. A exibição procura demonstrar o campo como um domínio incrivelmente ágil e flexível, mais até do que uma metrópole moderna, quebrando de vez a impressão, ainda compartilhada por muitas pessoas, de que se trata de um território onde as coisas acontecem devagar.
À medida que sobem a rampa do museu, os visitantes podem ver, com cada vez mais abrangência, uma tapeçaria com quase 1.000 perguntas sobre o futuro do campo – o imenso território que Rem Koolhaas chama de “reino ignorado”. Agora, não mais pelo Guggenheim.
(Globo Rural)