Minecraft da arte: Jogo que permite criar galerias virtuais conquista gamers

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Não é um bom momento para abrir uma galeria de arte. As feiras de arte foram canceladas, os leilões estão suspensos, e mesmo os grandes museus licenciaram ou demitiram seu pessoal. Se a crise do coronavírus se transformar em colapso da economia, é improvável que muitos dos espaços pequenos e médio para a arte sobrevivam.

Mas um quadrante do mundo da arte –ainda que virtual– parece estar se saindo bem. O espaço para exposições virtuais e jogo para múltiplos jogadores Occupy White Walls, que se define como “a plataforma de arte do futuro”, atraiu 10 mil usuários nos últimos 30 dias, para se somar aos 40 mil usuários que já tinha anteriormente. Desde seu lançamento, 15 meses atrás, os usuários do jogo criaram cerca de 50 mil galerias, com área total equivalente a 18,5 milhões de metros quadrados.

Diversos museus reais, de tijolos e concreto, procuraram a empresa recentemente para discutir colaborações, afirmou Yarden Yaroshevski, o presidente-executivo da StikiPixels, a companhia londrina de tecnologia que controla o Occupy White Walls.

Yaroshevski disse que essas conversações aconteceram porque os curadores estavam desesperados para explorar possibilidades digitais, já que suas galerias físicas estão fechadas. Em entrevista por uma plataforma de teleconferência, Yaroshevski falou sobre a recente expansão do jogo –só parando para respirar quando perguntado o que o mundo virtual sobre o qual estava discorrendo é, de fato. “Sempre tenho dificuldade para defini-lo”, ele disse.

“É um jogo online para grande número de jogadores, um espaço no qual as pessoas podem criar galerias e museus. Também é uma plataforma para artistas emergentes”. Uma espécie de Minecraft da arte, portanto? “É uma comparação aceitável”, ele disse.

Yaroshevski em seguida me conduziu em uma excursão virtual pela plataforma. O Occupy White Walls é um jogo ao estilo “sandbox”, no qual o jogador pode circular livremente e fazer o que quiser, em lugar de ter de realizar tarefas predefinidas.

O participante escolhe entre centenas de traços arquitetônicos predefinidos –escadarias em espiral barrocas, saguões de concreto brutalistas, peças de iluminação em estilo art déco– e constrói sua galeria da maneira que desejar.

Quando o espaço estiver construído, o jogador pode escolher peças de um acervo de 7.000 obras para pendurar em suas paredes virtuais. Muitas delas são parte de coleções de domínio público. Uma “curadora assistente” virtual chamada Daisy usa inteligência artificial para recomendar peças que os jogadores podem apreciar. As redes neurais que a acionam analisam dados sobre as obras já selecionadas por outros usuários.

Depois disso, os jogadores podem visitar as galerias montadas por outras pessoas e se envolver em conversas por meio de um recurso de chat –conversas sobre arte ou qualquer outra coisa.

Um usuário criou um espaço sóbrio, com paredes de mármore, que lembrava vagamente a Frick Collection em Nova York, enfeitado por peças renomadas de Botticelli, Bruegel e por uma “Alegoria da Música” rococó do século 18, obra do pintor francês François Boucher (emprestada extraoficialmente pela Galerias Nacional de Arte, de Washington). “As pessoas fazem muitas coisas diferentes”, diz Yaroshevski.

Ele afirmou que enquanto procurava por ideias, logo depois de fundar a StikiPixels, em 2010, percebeu que jogos com foco no mundo da arte –em lugar de jogos nos quais os jogadores fazem arte– não eram fáceis de encontrar. “Parecia insano”, ele disse. “Há jogos sobre tudo, mesmo simuladores de limpeza de rua. Mas não sobre arte”.

O sucesso espantoso do Minecraft, um jogo de construção virtual lançado em 2009, foi um fator que motivou o Occupy White Walls, ele disse. Outra motivação foi o fato de que os museus começaram a oferecer online imagens de alta resolução de peças de seus acervos; imagens que podiam ser reaproveitadas em outros espaços.

Uma das usuárias do serviço, Jenna Juilfs, disse em entrevista que a mistura de arquitetura e arte do jogo era interessante. “Trabalho com marketing, e essa é uma ótima maneira de me manter criativa”, disse Juilfs, falando por telefone de sua casa, em Roanoke, Virgínia. “O jogo não só oferece a oportunidade de projetar seu próprio espaço como ajuda a pessoa a se inspirar, com toda aquela arte maravilhosa”.

Com uma energia que rivaliza a de grandes proprietários de galerias reais como a Gagosian e a Pace, Juilfs opera nada menos de oito espaços no Occupy White Walls. O primeiro é uma galeria luminosa, em estilo clássico, com obras de Caravaggio e Artemisia Gentileschi flutuando em pleno ar. Outro parece estar à beira do espaço, e apresenta fotografias registradas pelo telescópio Hubble.

A mais recente galeria de Juilfs fica em um pontão cercado de água, e está repleta de mosaicos calmantes e de quadros de paisagens (e também um aquário, para oferecer ainda mais distração). Ela abriu o espaço pouco depois de entrar em isolamento, algumas semanas atrás. “Um lugar tranquilo”, ela disse. “Senti que precisávamos disso”.

A StikiPixels agora está buscando se expandir ainda mais, disse Yaroshevski. Um, objetivo é ampliar o catálogo de arte disponível para um total de 400 mil obras, e tornar possível a exibição de esculturas e instalações (no momento, os objetos expostos são bidimensionais).

O mais importante é que os artistas interessados em adquirir uma assinatura poderão subir suas peças diretamente para o serviço, o que significa que o jogo poderia funcionar como mercado (mais interativo do que o Artsy e menos intimidador do que as casas de leilão tradicionais).

Essa parecer ser a grande ambição de Yaroshevski para o Occupy White Walls. Como o nome do jogo aponta, ele disse que quer desordenar o sistema da arte, que vê como uma cabala obscura operada por galeristas, casas de leilão, marchands, curadores e colecionadores bilionários.

Todos eles, disse Yaroshevski, querem controlar como a arte é vista, e deixam as pessoas comuns de fora. O jogo dele, em lugar disso, torna possível que qualquer pessoa seja um curador ou colecionador.

“Muitas dessas figuras na verdade odeiam arte”, ele disse, acrescentando que “nós não somos contra o mundo da arte. Só queremos submetê-lo a uma reengenharia”.

The New York Times, por Andrew Dickson (Londres)

Tradução de Paulo Migliacci (F5 – Folha, Nerdices).

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