Públicos da cultura vão mudar comportamentos de forma imprevisível

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A mudança do comportamento dos públicos de forma “imprevisível” e o aumento da competição entre entidades culturais vão ser alguns dos efeitos da pandemia covid-19, no setor da cultura, na opinião do investigador António Pinto Ribeiro.

Contactado pela agência Lusa para perspetivar uma visão do que será o futuro do setor da cultura no pós-quarentena, o investigador e programador cultural imagina várias mudanças que serão desafiantes, nomeadamente o comportamento do público, sobre o qual “hoje, só se pode especular”.

“Nas exposições das artes visuais vai subir o preço dos seguros e dos transportes internacionais; vai aumentar a competição entre as organizações – museus, festivais, teatros -, para ganharem visibilidade no espaço público e, de uma forma geral, por falta de recursos financeiros para a produção. Por outro lado, a qualidade das obras vai ser afetada“, antevê o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), ex-curador da Culturgest e comissário de Lisboa Capital Iberoamericana da Cultura 2017.

Que o consumo cultural como o conhecemos vai mudar é quase uma certeza: “Vai mudar mas ninguém pode dizer como. E creio que pode ser uma oportunidade para mudar para melhor”, defende o ex-programador do antigo projeto Próximo Futuro da Fundação Calouste Gulbenkian.

Quanto à atual paralisação das estruturas de produção e apresentação de espetáculos no setor da cultural, haverá danos graves, na opinião de António Pinto Ribeiro.

“Vai ser a maior pauperização dos trabalhadores do setor, que já são precários. Talvez seja o momento de considerar que o setor cultural artístico não é homogéneo e, como em outros sectores da vida laboral, há enormes desigualdades de rendimentos. Portanto vão ser profundamente afetados os que trabalham a recibos verdes, auferindo remunerações baixas”, lembrou.

Questionado sobre os apoios financeiros anunciados pelo Ministério da Cultura e por várias entidades e diversas associações, António Pinto Ribeiro considera-os insuficientes para a dimensão atingida.

“Os apoios do Ministério da Cultura nunca foram suficientes. Note-se que se tornou evidente com esta crise sanitária a total ausência de um tecido cultural minimamente sólido, estruturado, financeiramente preparado para situações de crise. Não sei quais vão ser os montantes a disponibilizar e como vão ser disponibilizados, e isto é uma questão central”, aponta.

Pinto Ribeiro dá como exemplo a recente polémica do TV Fest, “uma iniciativa do Ministério da Cultura em que esse objetivo era evidente, mas cuja fórmula escolhida estava errada”.

“Nem todos os trabalhadores do setor artístico têm os mesmos rendimentos, e daí não ser de bom senso uma distribuição uniforme pelos que participavam, sendo que eram mais os que foram excluídos do convite. Acresce, finalmente, que usar o modelo de festival de música da televisão para distribuir estes supostos apoios era um modelo completamente inadequado”, avalia.

“Era um modelo de um mundo que justamente está a ser desmantelado”, conclui o investigador do CES.

Questionado pela Lusa sobre como podem os artistas reagir a esta situação inédita, António Pinto Ribeiro nota que “há muitas iniciativas ‘online’, mas parecem não ter retorno financeiro, e, tão cedo, os espetáculos presenciais não vão ser possíveis”.

“Há experiências em países que há muito se debatem com escassez de recursos, e onde artistas há muito produzem num regime de colaboração, de partilha de espaços e de recursos técnicos, não só no interior do setor cultural, mas extravasando para outros parceiros”, exemplifica.

Sugere ainda mudar o foco para a “possibilidade da circulação – que nos próximos tempos vai ser bastante limitada – mas será sempre a solução para captação de recursos financeiros”.

Outra questão, é a do eventual impacto da pandemia na criação cultural em si mesma: “Vamos ficar cansados de ver tantas produções sobre a pandemia“.

“Vai ser um excesso de obras com essa temática, a maioria pouco interessantes”, prevê o diretor artístico e curador em instituições como a Culturgest e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Em relação aos países de expressão portuguesa, nomeadamente em África, o curador e programador manifesta grande preocupação: “A situação na maioria das artes já é tão frágil que não sei como sobreviverá”.

“De qualquer modo, tem havido iniciativas bastante criativas em termos de produção que constitui experiências novas e que acredito os artistas vão desenvolver. É que não têm nada a perder”, opina o responsável, autor de “África os quatro rios – A representação de África através da literatura de viagens europeia e norte-americana”.

O investigador, que cumpre a quarentena como a maioria dos portugueses, continua a trabalhar em casa: “Tenho rotinas saudáveis e disciplinadas, vejo muito pouco as redes sociais e, pelo contrário, usufruo do silêncio”.

(NOTÍCIAS AO MINUTO)

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