Segunda do Português: “Sendo que”

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Sendo que

Uma das características de nossa sociedade global é que ela produz tendências de tempos em tempos. Há alguns anos, toda criança do planeta queria ter um tamagushi, um animal de estimação em forma de videogame. Outro exemplo é o setor de vestuário, que lança no mercado o que imagina que pode virar moda, e muita gente adere, às vezes gostando ou não, mas o importante é estar na moda. O mesmo modismo acontece com a língua portuguesa, em que determinadas expressões são usadas à exaustão, por pura tendência linguística, sem que se questione sua legitimidade, como é o caso do horroroso “então” que todo o mundo está usando em sua primeira fala, mas isso é assunto para outra segunda-feira. Hoje vamos falar de um coringa linguístico que está permeando os textos publicados no Brasil, inclusive por redatores consagrados: “sendo que”. Observe o exemplo:

Convidamos doze alunos para participarem do concurso, sendo que três deles recusaram.

O uso da locução conjuntiva “sendo que” denota pobreza vocabular. Como mencionado, é chamado de “coringa” porque, tal como no baralho, em que substitui qualquer carta, na língua, “sendo que” tem sido usado em múltiplas situações, com diferentes valores semânticos, o que denota que está sendo utilizado erroneamente.

Veja alguns exemplos em que “sendo que” assume diferentes significados:

                O diretor sugeriu antecipar as férias, sendo que informou que a empresa ficaria fechada.

Nesse caso, a expressão assume o valor de conjunção aditiva. Veja o exemplo abaixo reescrito com a aditiva correta:

                O diretor sugeriu antecipar as férias, e informou que a empresa ficaria fechada.

Outros exemplos:

                A polícia pediu que alguém identificasse o autor do crime, sendo que os moradores da região, amedrontados, se recusaram a ajudar.

                A polícia pediu que alguém identificasse o autor do crime, mas os moradores da região, amedrontados, se recusaram a ajudar. (conjunção adversativa)

                Já não consigo conviver com você, sendo que estou indo embora hoje mesmo.

                Já não consigo conviver com você, por isso estou indo embora hoje mesmo. (conjunção conclusiva)

                Observa-se que, de acordo com o sentido que se dar à conjunção, a locução “sendo que” vai, camaleonicamente, se adaptando às múltiplas semânticas.

                O bom redator deve ser criterioso com cada palavra e cada estrutura que usa, não se curvando aos modismos. Esse cuidado na hora de redigir é que demarca quem é copista e quem é um verdadeiro redator, aquele que, vacinado contra esses vícios linguísticos, busca se destacar na multidão de infectados pelo vírus do modismo e do texto automatizado.

                Vamos corrigir nosso exemplo inicial:

                Convidamos doze alunos para participarem do concurso, porém três deles recusaram.

(UFMA)

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